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domingo, 28 de fevereiro de 2010

Um história de domingo

Ele era um desses guris que aos domingos, com a barba por fazer sobem ou descem a Rua da Bahia, quase sempre no fim da tarde. Quem o vê, até mesmo um observador mais desatento percebe que dormiu além da conta, bebeu demais na noite anterior ou que acabou de chorar ao som de uma música triste qualquer. Ele sempre está com um jeans surrado, blusa sem estampa e tênis gasto e nos domingos mais cinzas um suéter de lã velho que era de seu avô. A mão é outro fato marcante nesse guri. Unhas roídas pelo tédio e indicador e dedo médio meio amarelados pelo excesso de cigarro. Sempre caminha de cabeça erguida e olhos atentos, e um observador mais sensível poderia vislumbrar o brilho que carrega no olhar. É como se procurasse algo perdido, um tesouro, um livro, uma carta de amor ou na verdade procurasse por histórias. Um devaneio ou um fato, isso pouco importa. A noite já começa a aparecer quando chega até a Praça da Liberdade. Ele caminha entre as crianças que brincam, e resolve parar perto do coreto, onde acende um cigarro.

*

Ela era um dessas gurias que aos domingos sobem ou descem a Rua da Bahia, quase sempre no fim da tarde. Quem a vê, até mesmo um observador mais desatento, percebe que dormiu além da conta, bebeu demais na noite anterior ou que acabou de chorar ao som de uma música triste qualquer. Ela está sempre com um jeans justo, mas nada vulgar, uma regata qualquer, um All Star branco velho e nos domingos mais cinzas seu velho moletom azul com capuz. Ela carrega também uma bolsa, mediana, quase grande, onde carrega algum dinheiro, seus documentos, contas e crediários vencidos, lápis, rímel, delineador e um velho livro de poesias de Florbela Espanca. Um observador mais sensível veria que os olhos dela chamam a atenção, não somente por estarem sempre realçados com delineador e rímel, mas por trazerem neles um ar de duvida, de medo, mas bem no fundo, de sonhos. A noite já havia caído quando ela chega a Praça da Liberdade e caminha entre as pessoas que namoram e comem pipoca e para próxima ao coreto para ver algumas crianças brincarem ali por perto.

*

Foi numa dessas esquinas, vielas e ruas sem saída da vida que o acaso colocou de encontro esses dois. Na mesma Praça, ao redor do mesmo coreto, vendo as mesmas crianças brincar sem notar a presença um do outro até os pais levarem seus filhos para o refugio de suas casas parem enfim dormirem de cansaço.

Os dois se levantam, caminham em direção um ao outro, então muito próximos, eles param e olham juntos pra cima, uma brisa de verão corta seus corpos, e o céu que eles olham está azul, muito azul e cravejado de estrelas que formavam as mais variadas formas, de bichos, pessoas, até tesouros.

Ela olhou pra ele e ele olhou pra ela. Ele sorriu pra ela sem ter o que falar. Ela também sorriu pra ele, mas a guria disse:
- Aquelas estrelas parecem formar um elefante.
- O quê? – ele fingiu não entender.
- O céu, o céu está cheio de desenhos hoje – ela disse
Surpreso por alguém compartilhar essa idéia, a qual o guri já havia reparado em outros tempos, ele disse meio bobo:
- Verdade. Eu já havia reparado, mas achei que eram devaneios meus.
-Ah, eu sempre acabo assim, olhando pro céu. – ela disse.
- Olha aquelas – e se aproximou mais dela, chegando a sentir o seu cheiro doce
- Parece uma coroa de rainha – ele disse.
- Nossa! verdade – ela disse dando outro sorriso pra ele.

Nesse momento ele pensou em acender outro cigarro e em perguntar se ela queria tomar um café ou ver um filme no Belas Artes. Qualquer coisa besta ou inocente que se costuma dizer quando duas pessoas assim se encontram e são muitas pessoas que se encontram assim por acaso e por alguma razão, tanto faz se por alguns minutos ou pra sempre, por alguns instantes esses dois seres não querem se separar.

Mas ele preferiu não perguntar nada. Aquele instante que eles tinham vivido tinha sido intenso demais e o medo que ela tinha nos olhos o enfraqueceu pra continuar vivendo a história que ele procurava pra contar.

Ela também quis falar, mas aquilo que seus olhos não escondiam, mais uma vez a tinha feito perder a oportunidade de continuar uma história que poderia ter feito ela sentir tudo aquilo que sentiu nos instantes que ficaram próximos.

Trocaram mais um olhar, e seguiram seu caminho. Ele seguiu pra Av. João Pinheiro, coçando a barba e acendendo um cigarro, com um brilho intenso nos olhos, assim como a brasa do cigarro que acabara de acender. Seguiu seu caminho sem olhar pra trás, com sede vida. Ela seguiu pra Av. Cristovão Colombo, olhos marejados de lágrimas, com medo de olhar pra trás, e triste, por mais uma vez não ter tido coragem, por ter hesitado em seguir em frente. Seguiu seu caminho, com olhos cada vez mais expostos a duvidas.

Em outros domingos, os dois se surpreendem olhando sozinhos para o céu, buscando formas nas estrelas. E assim se relacionam sem saber. Embora, de certa forma eles nunca estivessem estado juntos.

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